segunda-feira, 14 de julho de 2008

fragmento

para thiago, com carinho.


as pernas entrelaçadas dançavam no ritmo preguiçoso do afago mais natural do acordar. é de manhã que os cheiros corporais afloram mais, os poros exalam desinteressados o perfume natural e raro que só quem dorme junto cheira. no pescoço, nos cabelos, na transpiração noturna, no passado dos sonhos da noite anterior.
o sol entra manhoso pelas frestas das venezianas das janelas, dos olhos semi-cerrados alvoroçando devagar. a pele, o coração e todo o resto acordam também com a lembrança da noite anterior, lembraças que se confundem ainda com o mundo de pó dourado. não se sabe o que é real e o que não é. as coisas guardam um encanto aguçado no acordar junto. o calor compartilhado, as faíscas entre as almas e as respirações desritmadas.
os beijos como pequenos botões mornos começam a passear, formiguinhas agitadas vão aos poucos tirando o outro do mundo de morfeu.
a penumbra esclarece. o dia desanoitece e sente-se o abraço essencial.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Acima dos meus pés, um tapete de água pinga meu miúdo corpo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Felipe,

Peço desculpas por não ter escrito antes, faz tanto tempo que você me escreveu, mas é que esses tempos eu não tenho vontade de escrever nem meu nome. Fico feliz com as notícias que você me deu, fico feliz que você esteja tão diferente da última carta. Sinto muito a sua falta, apesar de nunca termos nos conhecido pessoalmente, eu sempre senti o calor do seu abraço perto de mim, nos seus desenhos, na sua letra, no seu cuidado.
Aqui a vida anda calma, hoje é um dia tão belo de chuva. O céu está tão escuro, e está chovendo, alguns trovões. Sinto-me tão bem como as nuvens encharcadas de cinza e energia. Mês passado fez quatro anos que estou com a Clara. Fico pensando que quanto mais tempo passo com ela, mais certeza tenho que por muitos anos mais desejo passar na presença dela. Mas hoje uma sensação estranha que sinto de vez em quando me persegue. A sensação de uma saudade de momentos que compartilhei com outras pessoas da minha vida e outras que não existiram. É uma saudade tão amiga que está quase fazendo parte de mim. Nesses dias de chuva em que vou até à locadora porque me bate vontade de ver um filme em preto e branco, é como se minha alma fosse tão triste e frágil como um véu. E embaixo do véu? Não sei, parece tão óbvio, tão transparente, mas o véu consegue esconder. Sinto essas saudades estranhas dessas pessoas que existiram e que não existiram e sinto saudades da minha solidão. Não pense que eu me arrependo do tempo que estou com a Clara, cada minuto que passei com ela foi comemorado internamente, com batidas cardíacas festivas. Talvez seja o preço que o amor exige. Um pedaço de mim foi embora e não consigo mais reavê-lo. Era essencial para mim. Mas o que fazer? Penso que devam ser aquelas coisas da vida que ninguém consegue entender.
Nesses dias fico com vontade de dormir por acaso ouvindo qualquer música querida, dormir de olhos abertos olhando para a janela e para o céu, para o telhado e ficar imaginando sonhos que não tenho. Deve ser loucura minha. Besteira minha. Coisas da vida.
Mês que vem começo o meu curso de Sociologia. Há muito tempo eu esse curso estava na minha lista de cursos para tentar vestibular, e finalmente, aos 27 anos, eu começo. Mas comecei, não é? É o que importa. A vida é tão curta, há momentos que sinto um medo profundo e muito bem escondido da morte, de que ela chegue quando eu menos veja ou me importe, e que eu não tenha amado tudo, visto tudo, feito tudo, andado tudo. E mesmo da velhice. O que eu vou fazer quando for velho? Não é medo do futuro, não sei nem do que é esse medo.
Eu sei que mesmo esses pensamentos todos loucos e desorganizados você entenderá ao menos uma parcela, Felipe. Eu sinto sua compreensão de longe. E pensar que temos essa conexão desde 2001. Éramos tão confusos, tão angustiados com tantas coisas. Não sei no que nos tornamos, mas, de qualquer forma, acho que hoje estamos tranqüilos. As confusões e angústias continuam as mesmas e às vezes aparecem mais. Não sei o que pode ter acontecido, acho que simplesmente o tempo passou.
Espero que você responda logo minha carta, não siga meu exemplo. Espero que esteja tudo bem por aí, me mande notícias. Próxima carta eu tento te mandar uns poemas do Rilke. São tão bonitos.
Vou ali caminhar um pouco com o guarda-chuva enquanto a chuva continua sem trovões, baixinha.

Um abraço,

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Eu só sei que eu queria andar de bicicleta (uma bicicleta verde, assim, com retrovisores) em um feriado ou podia até ser domingo mesmo, em um dia nublado, de manhãzinha bem cinza e claro, que tivesse chovido a madrugada toda e a rua estivesse molhada, e a cidade em silêncio (uns poucos passarinhos, talvez), com preguiça.
A bicicleta, o silêncio, a água nas pedras, os passarinhos e seu olhar me guiariam, quem sabe.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Só sentia conforto na rua, no cinza da cinza, no sujo, no estranho. A rua era um abrigo contrastando-se com o seu ilhado, minado e farpado lar. Os lugares desconhecidos eram luares frescos e aconchegantes.
A casa. A casa: com aqueles personagens quase de uma tragédia shakespeariana. A casa... tão impecavelmente mascarada, azul, telhas perfeitas e jardim colorido: travestiam um castelo de horrores, torturas e mágoas.
Raiva e rancor reunidos em um terrível ritual diário. As mesmas palavras magoavam, maltratavam a murros o amor que na alma restava. As pancadas no peito em pânico eram feito pauladas de pavor, violências que necessitavam com urgência de brutais carinhos.
A alma e o coração em estado de sítio. Sitiados. Não havia solução. Não havia remédio. Os espíritos daquela casa eram tão atormentados e escuros que cegaram de tanta lágrima de ódio. Léguas de distância existiam em um espaço minúsculo do entre dois quartos.
Somente suspiros sossegavam suaves o ser, aquele ser assustado e mais sensível, sujeito principal da caça diária da casa. Suspiros inocentes suscitavam pistas de um amor leve.
O amor fora da casa. Mais perto da rua e dos lugares desconhecidos, ainda bem. De uma alma doce, longa, macia e perfumada conseguira libertar aquele afugentado espírito enclausurado em dor.
O doce amor. Aquele amor que caíra, levitara como chuva musical em suas chagas ardentes. Pairava como um botão de flor. O amor púrpura fizera nela criar vontades de comer as cores e sugar aqueles olhares para sempre. A intensidade a salvara. O amor: graças, salvara.

domingo, 4 de novembro de 2007

Sonho sem sonho

O capuccino aguado esfriava preguiçosamente sob o livro de poemas. O tédio dominical começava a dar nos nervos. Começou mal o dia: às 4 da manhã acordou com calor de um sonho sem sonho. Ligou a televisão na esperança de que algum desenho animado antigo o confortasse e enfim conseguisse um macio sono. Dormiu encolhido no sofá até as nove da manhã, acordou com dores no pescoço.
Os olhos desinteressados passeavam sobre as letras pequenas do jornal e o corpo pedia café. Duas fatias de pão e um café forte e pouco adoçado. A saudade acordava o coração, o tédio amargurava a saudade. Mas saudade do que? Eu queria, eu queria, mas o sonho foi acumulando poeira, o tempo foi passando e eu passei a ter até uma afeição leve às aranhas da teia que nele se criaram.
Lia poemas sem gosto, sem rosto, as palavras dançavam e cambaleavam sem sentido, sem paixão. A vida era uma agorafobia só, e parecia ficar menor, menor do tamanho daquelas aranhas. Terminara o capuccino aguado e com gosto de mofo. Como querer algo que já se quer?
A voz de outras pessoas uma vez fôra confortável, aquelas palavras distantes do seu mundo, aqueles gestos estranhos ao seu modo de ser. Caminhava para uma misantropia tranqüila, mas a alma tornava-se caótica. Como ter vontade, esta nuvem milagrosa que esfumaça tão rapidamente, cinza, translúcida?
O domingo vai morrendo no próprio marasmo, e, afogado na cama, dorme sua vida afundada no tédio inexorável.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Como uma densa nuvem púrpura, o amor tomou conta de mim. Fiquei desde então vasta como a noite da madrugada, cheia de devaneios, fresca como o vento noturno, eu não sou eu quando o amor está em mim.
Ele fica em mim, todo esfumaçado, distribuído pelos meus poros, dentro de mim e ocupando toda a poesia ao meu redor. Tornando-me poesia do em redor. Cada palavra agora é suspiro, delicados carinhos para limitar atrozes e reviravoltantes sentimentos humanos.
O amor tornou-me inteira, por completo, não sei onde ele começa e eu termino. Ele termina? Somos uma esfera, um planeta, o amor tornou-me um universo. Sinto-me. Sinto-o. Sinto o amado. Ah, o amado... este transformou-se em mim e eu nele, tão belo e necessário choque. Nascimento de outro. Somos um. Três, um. Conflitantes, apaixonados, loucos, desprovidos de sentidos, carregando a essência da vida.