quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Felipe,

Peço desculpas por não ter escrito antes, faz tanto tempo que você me escreveu, mas é que esses tempos eu não tenho vontade de escrever nem meu nome. Fico feliz com as notícias que você me deu, fico feliz que você esteja tão diferente da última carta. Sinto muito a sua falta, apesar de nunca termos nos conhecido pessoalmente, eu sempre senti o calor do seu abraço perto de mim, nos seus desenhos, na sua letra, no seu cuidado.
Aqui a vida anda calma, hoje é um dia tão belo de chuva. O céu está tão escuro, e está chovendo, alguns trovões. Sinto-me tão bem como as nuvens encharcadas de cinza e energia. Mês passado fez quatro anos que estou com a Clara. Fico pensando que quanto mais tempo passo com ela, mais certeza tenho que por muitos anos mais desejo passar na presença dela. Mas hoje uma sensação estranha que sinto de vez em quando me persegue. A sensação de uma saudade de momentos que compartilhei com outras pessoas da minha vida e outras que não existiram. É uma saudade tão amiga que está quase fazendo parte de mim. Nesses dias de chuva em que vou até à locadora porque me bate vontade de ver um filme em preto e branco, é como se minha alma fosse tão triste e frágil como um véu. E embaixo do véu? Não sei, parece tão óbvio, tão transparente, mas o véu consegue esconder. Sinto essas saudades estranhas dessas pessoas que existiram e que não existiram e sinto saudades da minha solidão. Não pense que eu me arrependo do tempo que estou com a Clara, cada minuto que passei com ela foi comemorado internamente, com batidas cardíacas festivas. Talvez seja o preço que o amor exige. Um pedaço de mim foi embora e não consigo mais reavê-lo. Era essencial para mim. Mas o que fazer? Penso que devam ser aquelas coisas da vida que ninguém consegue entender.
Nesses dias fico com vontade de dormir por acaso ouvindo qualquer música querida, dormir de olhos abertos olhando para a janela e para o céu, para o telhado e ficar imaginando sonhos que não tenho. Deve ser loucura minha. Besteira minha. Coisas da vida.
Mês que vem começo o meu curso de Sociologia. Há muito tempo eu esse curso estava na minha lista de cursos para tentar vestibular, e finalmente, aos 27 anos, eu começo. Mas comecei, não é? É o que importa. A vida é tão curta, há momentos que sinto um medo profundo e muito bem escondido da morte, de que ela chegue quando eu menos veja ou me importe, e que eu não tenha amado tudo, visto tudo, feito tudo, andado tudo. E mesmo da velhice. O que eu vou fazer quando for velho? Não é medo do futuro, não sei nem do que é esse medo.
Eu sei que mesmo esses pensamentos todos loucos e desorganizados você entenderá ao menos uma parcela, Felipe. Eu sinto sua compreensão de longe. E pensar que temos essa conexão desde 2001. Éramos tão confusos, tão angustiados com tantas coisas. Não sei no que nos tornamos, mas, de qualquer forma, acho que hoje estamos tranqüilos. As confusões e angústias continuam as mesmas e às vezes aparecem mais. Não sei o que pode ter acontecido, acho que simplesmente o tempo passou.
Espero que você responda logo minha carta, não siga meu exemplo. Espero que esteja tudo bem por aí, me mande notícias. Próxima carta eu tento te mandar uns poemas do Rilke. São tão bonitos.
Vou ali caminhar um pouco com o guarda-chuva enquanto a chuva continua sem trovões, baixinha.

Um abraço,

5 comentários:

Rebeca Xavier disse...

...

Thiago Fonsêca disse...

Registrando o comentário:

Este texto está um pouco distinto do que você usualmente apresenta. A começar pelo formato, que sempre é uma moldura do texto. Neste texto, vejo um papel lançado, só, como se apenas tivesse sido encontrado por ti. Algo mais expressionista do que impressionista, embora muitas imagens sejam singulares, daquelas que permeiam constantemente tua escrita fervorosa.

Gostei de entrar um pouco no clima do Rilke.

Loah. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Loah. disse...

adoro o jeito de sentir as palavras com tua escrita.

Mayara Carol Araujo disse...

sinto falta de cartas e não as escrevo.

engraçado como tornamos coisas como essa tão banais, né?






um livro de cartas... taí um sonho que eu devia voltar a perseguir.

ah, muito prazer, Mayá.
Só passeando por blogs desconhecidos.