domingo, 4 de novembro de 2007

Sonho sem sonho

O capuccino aguado esfriava preguiçosamente sob o livro de poemas. O tédio dominical começava a dar nos nervos. Começou mal o dia: às 4 da manhã acordou com calor de um sonho sem sonho. Ligou a televisão na esperança de que algum desenho animado antigo o confortasse e enfim conseguisse um macio sono. Dormiu encolhido no sofá até as nove da manhã, acordou com dores no pescoço.
Os olhos desinteressados passeavam sobre as letras pequenas do jornal e o corpo pedia café. Duas fatias de pão e um café forte e pouco adoçado. A saudade acordava o coração, o tédio amargurava a saudade. Mas saudade do que? Eu queria, eu queria, mas o sonho foi acumulando poeira, o tempo foi passando e eu passei a ter até uma afeição leve às aranhas da teia que nele se criaram.
Lia poemas sem gosto, sem rosto, as palavras dançavam e cambaleavam sem sentido, sem paixão. A vida era uma agorafobia só, e parecia ficar menor, menor do tamanho daquelas aranhas. Terminara o capuccino aguado e com gosto de mofo. Como querer algo que já se quer?
A voz de outras pessoas uma vez fôra confortável, aquelas palavras distantes do seu mundo, aqueles gestos estranhos ao seu modo de ser. Caminhava para uma misantropia tranqüila, mas a alma tornava-se caótica. Como ter vontade, esta nuvem milagrosa que esfumaça tão rapidamente, cinza, translúcida?
O domingo vai morrendo no próprio marasmo, e, afogado na cama, dorme sua vida afundada no tédio inexorável.

Um comentário:

Thiago Fonsêca disse...

As adjetivações que dão o movimento, o clima e a expressão do texto. As ações ficam por conta das coisas sem vida própria, que adquirem vida única. Porque aqui, quem menos tem vida é o ser humano.